Em 2005 comecei a trocar e-mails com Marcus Ramone do Universo HQ, ele queria fazer uma materia especial sobre a fase dos Trapalhões produzida pelo Estudio Ely Barbosa, passei seu contato pro Ramone e, em 2009, foi ao ar um belo especial sobre este Gibi que marcou o inicio da minha carreira (1980 a 1982, quando passei a fazer charges para o Movimento Sindical). Na verdade, o inicio havia sido um ano antes (1979), quando fui assistente do MegaSuper-Artista Eduardo Vetillo (que desenhava HQs esplendorosas de Jana das Selvas para Aventuras HB, da RGE e Trapalhões para a Bloch).
Voltando aos papos com o Ramone, um dos pontos que a gente tocou foi a "censura" nos tempos da Ditadura no Brasil.
http://www.universohq.com/quadrinhos/2009/trapalhoes.cfm
"O cartunista Bira, que trabalhou na revista entre 1980 e 1982 e no expediente assinava como Ubiratan Dantas, conta que fez o argumento e os desenhos de uma história - roteirizada por Orlando Costa - em que os super-heróis resolveram entrar em greve e exigiam, dentre outros benefícios, férias remuneradas e FGTS. À frente deles estava o Homem-Lula, referência nem um pouco sutil a Luís Inácio Lula da Silva, então líder sindical que provocava dores de cabeça nos militares.
A HQ foi alterada por ordem da editora."
EXPLICANDOEm 1982 (quando comecei nas Charges), vivia-se em relativa democracia, com liberdade de imprensa, organização e eleições para governador e deputado estadual. Mas em 1979, não!
Segundo Frei Betto: "13 de março de 1979: 80 mil metalúrgicos em greve ocupavam o gramado e as arquibancadas do estádio da Vila Euclides, em São Bernardo do Campo. Sem microfone, Lula tinha o seu discurso repetido pelos que o ouviam, como ondas sucessivas de um lago atingido por uma pedra. Dois dias depois, quando 170 mil trabalhadores já estavam parados em todo o ABC, a greve foi considerada ilegal. Na madrugada de 22 de março para 23, enquanto os metalúrgicos permaneciam em vigília no sindicato, de Brasília o ministro do Trabalho, Murilo Macedo, falava com o governador paulista, Paulo Maluf. Pouco depois, tropas da Polícia Militar garantiam a intervenção no sindicato."
FAMILIA DE ESQUERDAEu nasci em 1963 (1 ano antes do famigerado golpe militar de 64), e fui criado numa familia "de esquerda". Nos tempos da ditadura, meu pai era MDB (Oposição), contra a ARENA (partido do golpe, que depois virou PDS, depois PFL, depois DEM e agora, dividido no PSD do kaxabi). Meus irmãos mais velhos aderiram a militancia politica mais aguerrida. O Libanio ajudou a AP (Ação Popular -movimento de Esquerda da Igreja Catolica- de Padre Alipio de Freitas, Betinho, Altino Dantas, Ricardo de Azevedo e Sergio Santos, deputado do MDB com quem trabalhou). O Clovis militava no Rio com a turma do Vladimir Palmeira (que veio da UNE e ajudou a fundar o PT). Em 1979, ao mesmo tempo em que eu copiava gibis de super-herois, Flash Gordon, Tarzan, Turma da Monica e Asterix, fazia charges para o Movimento contra a Carestia da Zona Leste de São Paulo, para o jornal trotskista Em Tempo (4 Internacional), e Luta Sindical (Oposição Metalurgica SP).
Leiam um pouco disso aqui:
http://www.bigorna.net/index.php?secao=birazine&id=1157317820
Voltando ao Frei Betto: "A 17 de abril, o ministro do Trabalho, Murilo Macedo, decretou a segunda intervenção no sindicato presidido por Lula, cassando seus diretores da vida sindical, mas sem conseguir que se afastassem do comando do movimento. No dia 19, às 6 da manhã, Lula foi preso em sua casa pelo DOPS, numa operação coordenada pelo governo Paulo Maluf, e que envolveu a prisão de inúmeros dirigentes sindicais em todo o ABC, inclusive sindicalistas e juristas de S. Paulo."
A CRIAÇÃO DO PTDeu pra entender como funcionava a casa dos meus pais? Ouvia-se de Luiz Gonzaga a Led Zepellin (claro, quando seu Clovis não estivesse em casa, ele detestava musica americana), passando por Geraldo Vandre'. Meus irmãos discutiam politica na mesa do cafe' da manhã e um novo partido estava sendo formando. Artistas como Chico Buarque, Elis Regina, Gonzaguinha, Henfil, Lapi, Magnani, Nilson Aroeira, Lor, Berze' (Cadernos de Educação Popular do CET de BH) aderiam a este que seria o primeiro partido formado de baixo pra cima ... Criado por trabalhadores do campo e da cidade, intelectuais, artistas! Meus irmãos se engajaram na Campanha do Abaixo-assinado para criação do PT. Em 1979, eles fizeram campanha de filiação ao PT na familia. E eu, junto. Claro, eu não falava nada, apenas ouvia. Eu tinha 16 anos. Meu pai não entrou nessa. Com a liberação dos paritdos, ele resolveu ficar no PMDB de Ulisses Guimarães e Franco Montoro. Ele achou que o PT era um partido necessario, mas não gstou de se chamar "dos Trabalhadores". Ele achava que devia ser PTM (Trabalhadores Metalurgicos) e não teve quem o convencesse do contrario. Foi o unico dissidente na familia. Minha mãe tambem se filiou.
De novo, Frei Betto: "Lula descobrira que a questão sindical é também uma questão política. No cenário político nacional, todos os partidos pretendiam ser a voz do povo, enquanto o próprio povo não tinha como expressar sua voz. Em janeiro de 1980, mais de 80 deputados reuniram-se no Pampas Palace Hotel, em São Bernardo do Campo, para debater a proposta do PT. Nenhum deles suportou assumir por mais de uma eleição um partido classista, com grande disciplina e democracia internas, e com um programa nitidamente socialista."
Voltando a minha familia... Betania, minha irmã mais nova (arte-educadora, professoar de Cartum em Escola Municipal de São Paulo) não se filiou ao PT, mas tem uma visão esquerdista/operaria (participou da Escola Nova Cultura) e votou no Partido diversas vezes. Denis, o caçula, e' um dos maiores militantes do PT que conheço. Sempre disposto a uma boa campanha, discussão, troca de ideias ou se enfiar nas ruas mais distantes (e pobres) da esquecida Zona Leste. Isso sem falar nos primos Milton Praxedes, Paulo Dantas ou Nelson Guerra. Essa e' a cara desta familia do Tatuape'. Uma familia fundadora do PT, polo de discussão e luta por uma sociedade mais justa e solidaria.
Eu contei tudo isso, para que voces entendessem porque eu, um desenhista free-lancer do Estudio Ely Barbosa, resolvi fazer uma HQ com o Lula em plena intervenção do Sindicato dos Metalurgicos e prisão de Lula.
Eu ja' era um militante. E Quadrinhos podia ser diversão, mas tambem... denuncia!
O Orlando Costa era um amigo que desenhava divinamente inspirado nas loucuras da MAD. Otimo roteirista, seu "feeling" e "timing" eram perfeitos para colocar em sequencia, as ideias que eu vinha tendo.
A CENSURACriei o argumento, conversei com o Ely. Disse que era sobre uma greve da Legião dos Super-Heróis que reivindicavam Salário, Férias e FGTS, depois acabava todo mundo em cadeia, que nem o Lula e a diretoria do Sindicato. Ele gostou, mas queria ver no papel. Pedi pro Orlando fazer o roteiro, foi aprovada pelo Ely e voltou pra que eu desenhasse. O Ely ainda mudou algumas coisas (pediu pra colocar o pirulito na boca do Homem-Lula e trocou as palavras "exigir" por "pedir", achou que ia facilitar a aprovação pela Bloch) e aprovou.
Essa história foi para o Rio e voltou com um recado: NÃO DEVE SER PUBLICADA, A NÃO SER QUE TENHA MUDANÇAS! A história voltou do Rio, censurada. Onde tinha GREVE, deveriamos escrever Férias. Onde tinha DIREITOS TRABALHISTAS, deveriamos mudar pra descanso, folga, preguiça. O Ely ficou p(*) da vida. A gente não tinha roteiros censurados. E olha que nos Gibis tinha uma liberdade total (ah, se fosse agora...): tiração de sarro com mulher, gay, negro, padre, militar, presidente... mas era isso ou não ter a história publicada e ficar sem receber. O Ely disse que não pagaria roteiro, desenho, arte-final, revisão, letras e cores.
Eu ia ter que bancar do meu bolso. Conversei com o Orlando e ele preferiu mudar e publicar.
PEDIDOAntes de devolver pro Ely, eu xeroquei as paginas como estavam, sem as alterações que seriam feitas. E consegui preservar os dialogos originais. Infelizmente, na doação que fiz de Quadrinhos para a Coleções Especiais da Unicamp, doei todos os gibis dos Trapalhões da Bloch. Se alguem tiver esse gibi e puder escanear as paginas censuradas, postarei aqui e serei eternamente agradecido. Pode enviar para:
biradantas@globo.com
Naquele tempo, cheguei a pensar em peitar a Bloch, não mudar nada e mandar eles praquele lugar. Mas achei que não valia a pena. Era 1979, a Imprensa estava acostumada a auto-censura (ou mesmo apoio enrustido ao Golpe, como os que hoje chamam a Ditadura de DITABRANDA)) e os militares estavam saindo do poder BEM DEVAGAR.
Hoje penso que, se não tivesse publicado, não teria essa historia pra contar.
QUEM FAZIA OS TRAPALHÕESPortanto, eu fiz parte da equipe que desenvolveu a segunda fase do gibi dos Trapalhões no estúdio Ely Barbosa, de 1979 a 1988. A primeira fase, incluindo a animação de TV foi feita pelo pernambucano Sávio (que criou o model sheet) e o pessoal da Bloch do Rio, por volta de 1976. A terceira fase foi dirigida pelo Primaggio Mantovi na Abril (1988) com os personagens dos Trapalhões retratados como crianças. O Watson Portela estava desenhando lá e me indicou pro Primaggio. Cheguei a desenhar uma história de 10 páginas, mas não deu certo... meu estilo não se adequava muito ao esquema Abril (o traço que iria marcar minhas charges já estava se delineando) e eu estava de mudança pra Campinas.
A equipe básica era composta por:
Roteiristas: Sérgio, Orlando A. S. Costa, Genival Souza, Flávio da Costa Pinheiro, Ricardo Martins.
Desenhistas: Carlos Cárcamo, eu (meu nome entrava nos créditos como Ubiratan Dantas), Eduardo Vetillo, Sergio Lima, João Batista Queiroz, Carlos Alberto Migliorin, Watson Portela, Kymura, Aparecido (Mimoso), Domingos Souza (Mingo-capas), Ademir da Silva Pontes, Fernando Bonini, entre outros...
Arte-finalistas/Letristas: Waldemar Watanabe, Wanderley Feliciano, João Andrade (irmão do cartunista Floreal), Waldir Odorisso, Joel França.
Cores: Déborah Maluf (que não era parente do Paulo), Yara Raphael.
Coordenação: Theresa Rodrigues (mulher do Ely) e Eliete R. Barbosa (filha). Supervisão Ely Barbosa.
Leia aqui:
http://www.bigorna.net/index.php?secao=birazine&id=1173761595
http://chester.blog.br/archives/2007/05/bira_dantas_e_o.html
Eu cheguei a fazer roteiros em épocas de baixa produção (como Uma Aventura no Zoo e A Revolução dos Bichos), mas não era o meu forte. O Ely tinha um piadista inveterado e muito engraçado, Sérgio Valezin. Ele se tornou um dos grandes roteiristas do estúdio. Depois foi escrever roteiros para programas humorísticos do SBT, onde está até hoje. O humor dos Quadrinhos dos Trapalhões, analisando bem, tinha um teor pendendo para o adulto, com piadas que nem toda criança entendia. Por isso mesmo, também era lido por outras faixas de público, não só o infantil. Acho que seguia um pouco o padrão humorístico do programa, com piadas com tom levemente erótico. Não sei se era uma linha determinada. Isso só o Ely poderia responder. Não passavam nenhuma definição pra gente na época. Mas era claro que nosso público abrangia uma faixa etária do pré-adolescente à terceira idade.
Eu não sei ao certo o motivo da revista ser cancelada por volta de 1988. Na época, alegaram que as vendas tinham caído. Acho estranho porque além do gibi Os Trapalhões, publicavam o Almanaque, Aventuras do Didi, Bonga, o vagabundo e Almanaque Super-Trapalhões. As revistas eram muito bem recebidas nas bancas. Eduardo Vetillo acha que a Bloch se interessou mais por outras midias (Como a TV Manchete) e acabou deixando os Quadrinhos em segundo plano, o que teria sido seu fim.
O fato: meses depois da Bloch parar de editar o gibi, a Abril retomou o projeto, transformando-os em personagens infantis.
Eu parei com os Trapalhões para fazer charges na Imprensa Sindical (fui cartunista-militante da Oposição dos Quimicos), depois da vitoria fui contratado como chargista do Sindicato dos Químicos (Sindiluta) de 1982 a 1988. Depois de 2 meses de charge diaria, requeri minha matricula como jornalista (na função de ilustrador), com jornada de 5 horas, o dobro do salário que ganhava com Quadrinhos e carteira assinada.
ORLANDO ANTONIO, ROTEIRISTAe-mail : orlandoantonio.sc@gmail.com
http://orlandocostailustrador.blogspot.com
Conheci o Orlando Antônio Salgado Costa em 1980, em Sampa.
Ele tinha muitas, ótimas e engraçadíssimas animações feitas em cadernos
brochura.
Trocentos cartuns e piadas com animais. O seu estilo no grafite era extremamente engraçado, criando figuras muito loucas. Tinha filmado uma animação em Super8, mas como ele gravou muito rápido cada frame, a velocidade ficou alta. O Orlando tinha uma grande influência do humor da MAD.
Eu o convidei a visitar o estúdio do Ely Barbosa, para oferecer trabalhos
como desenhista, mas ele foi aceito no ato como roteirista. Continuou
trabalhando lá, quando eu saí em 1982 (para me dedicar às charges sindicais) e, junto com o Sérgio Valezin e o Genival, ele era um dos roteiristas mais engraçados dos Trapalhões. Vi e comprei algumas revistas de Piadas que o Orlando ilustrou, aí já com bico de pena e canetas de nanquim. Foi ele quem roterizou o meu argumento da Greve dos Super-heróis, censurado pela Bloch em 1982.