Entrevista pro Alberto Rafael Ribeiro Mendes, estudante de pós-graduação, doutorado em História pela Universidade Federal do Ceará.
"Pesquiso sobre violência no campo na década de 80 e nessas pesquisas me deparei com umas charges assinadas por Bira no Jornal dos Trabalhadores Sem Terra, que gostaria de incluir em meu trabalho.
Se possível, gostaria de fazer algumas questões, acerca de sua relação com o jornal, com o movimento sem terra e sobre como se dava essa produção de charge para o jornal."
Eu atuo como chargista militante desde 1980, como contratado desde 82. Nesta época produzi -com o cartunista Éton- duas revistas em Quadrinhos "Tramas da Comunicação" (Edições Paulinas) e "Manual dos Direitos do Preso" (Pastoral Carcerária de São Paulo), os contatos foram na PUC e no Instituto Sedes Sapientiae, onde o MST tinha montado sua redação. A Igreja católica apoiava como podia, contratou o cartunista Fabiano, ilustrador de todos materiais que as Pastorais produziam (Juventude, Operária, Universitária, etc) mas ele não dava conta de tudo.
O impresso existia desde 1981 como Boletim Sem Terra, era uma publicação lançada nacionalmente, distribuída em todos assentamentos, núcleos do movimento, entre sindicatos e movimentos políticos, como um instrumento político de luta e organização. Era o que dava a linha do movimento e promovia as discussões de baixo pra cima, para dar corpo ao pensamento do MST e desenvolver o livre pensar de seus integrantes.
O MST sabia do enorme número de analfabetos entre seus apoiadores, por isso, logo depois da ocupação se criava uma escola e com o Método Paulo Freire, iniciavam o processo de alfabetização de crianças, jovens e adultos. Isso fez com que se investisse na utilização da charge como forma de se comunicar de forma mais direta com esta base que ia se formando.
Entre os chargistas temos Celso Schoreder (1984-1985), Corvo (1984-1985), Francisco Vilachã (1985), Bira (1985-1987), Falkon (1987), Brito (1987-1989), Rubens (1987-1988), Elda Broilo (1989), Hércules (1991- 1993), Luiz Carlos dos Santos “Luscar” (1993-2002), José Alberto Lovreto “JAL” (1993- 1995), Gilberto Maringoni (2002) e Márcio Baraldi (1998-2007)
Eu ia uma ou duas vezes por mês no Sedes, pegava as matérias pra serem ilustradas e as produzia lá mesmo, numa das mesas livres. O lugar era muito espaçoso, com várias salas, jornais e revistas. Muito material internacional e um mapa múndi que me chamou a atenção, ele era invertido e as proporções eram diferentes. A legenda dizia que as posições norte-sul nos mapas têm consequências psicológicas (norte associado com pessoas mais ricas, imóveis mais caros e maior altitude; sul associado a pessoas mais pobres, preços mais baratos e altitude mais baixa) cuja intenção era criar nos povos do Terceiro Mundo um sentimento de derrota e de subalternidade.
As lideranças e jornalistas com quem me relacionava eram em sua maioria gaúchas, mas só lembro do Canova. Pelo que me explicaram depois, nesta época era o MST do Sul que cuidava da parte de comunicação. Eu me sentia em casa por lá. Exceto pelas cuias de chimarrão e pelo sotaque carregado, era como se estivesse no sindicato, as pessoas se tratando como companheiro e companheira, dividindo as tarefas e cuidando dos posicionamentos das matérias de acordo com os debates nas bases. Nesta época eu só conhecia o movimento pelas lideranças e matérias em jornais sindicais, já que a grande imprensa só noticiava como casos de polícia, de invasões e violência.
Já eu conhecia pela história de suas lideranças como Margarida Maria, Chico Mendes, Avelino Ganzer entre muitos outros, a maioria assassinados.
Ao mesmo tempo eu estudava a luta pela Terra desde as Ligas Camponesas, no período pré-Jango, tempos de Francisco Julião, quando se chamava os lavradores sem-terra de O Campesinato, que dava os braços ao Proletariado na luta por uma Sociedade mais Humana e Libertária.
Mas foi só em 1985 que visitei a primeira ocupação de Sem-Terra, quando fui lançar minha revista de charges do SIndiluta "Bira, quem diria você é um subversivo", editada pelo Sindicato dos Químicos SP. A renda seria revertida pro Fundo de Greve do Sindicato e eu fui até uma livraria de esquerda em Birigui. O dono da livraria me levou pra bater um papo com os acampados e pude conhecer a escolinha do MST em funcionamento. Depois, em 1988, quando mudei pra Campinas, colaborei com os Sem-Terra de Hortolândia. Eles haviam ocupado uma grande área de terra improdutiva e grilada.
Em menos de um ano já tinham uma grande produção de milho, uva, entre outros produtos sem agrotóxicos. E faziam uma grande festa anual para vender sua produção. Todo ano me pediam um cartaz todo feito a mão e fui acompanhando o desenvolvimento do assentamento, crescimento da capacidade produtiva, do financiamento da compra de sementes à compra de maquinário pesado com recursos próprios.
Por volta de 2015, 2016 voltei a colaborar com a Revista do MST com uma página de humor.
Considero que o MST é o movimento mais inclusivo, moderno e promissor que temos. A experiência de produzir alimento sem veneno, ser o maior produtor de arroz orgânico da América Latina, preservar matas nativas, rios e córregos, denunciar o roubo de bens públicos -como a água- por trading companies como Coca-cola e Nestlé. O MST está de parabéns por ser o movimento mais radical e romântico do lado de baixo do Equador.
Um comentário:
Opa, fico feliz pela troca de ideias, e muito grato por sua atenção.
Muito bom a publicação das ilustrações para o JST aqui no blog, trabalho fantástico e mais que atual.
Parabéns.
Alberto Rafael
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